sábado, 7 de março de 2009

Cenas da prostituição em Fortaleza



Cenas da Prostituição em Fortaleza

Trabalho desenvolvido por Hamilton Rodrigo Araújo Freire de Andrade acerca da Prostituição em Fortaleza juntamente com a ONG "Nova Consciência"

O cenário da capital cearense de vida noturna agitada e de famosas praias mascara o submundo desconhecido de muitos. Tal como uma dona de casa que varre o lixo repentinamente para debaixo do tapete quando recebe uma visita inesperada, Fortaleza esconde o lixo de seus problemas sociais nos subúrbios, no intuito de transmitir uma imagem de cidade turística e hospitaleira.
O retrato trágico da realidade fortalezense se camufla entre as jovens meninas e adolescentes encontradas nas esquinas das ruas da orla urbana, em boates com entrada gratuita ou em casas de show com sexo explícito.
Essas jovens da periferia, muitas delas oriundas do interior do estado, excluídas pelo capitalismo exacerbado, sonham com um futuro promissor.
Quem são essas meninas? Algumas, donas de casa, que batalham para assegurar o sustento de suas famílias; outras, adolescentes sonhadoras em busca de conquista de espaço para serem notadas pela sociedade, atraídas pelo dinheiro fácil e pela perspectiva de uma vida mais digna.
Meninas sonhadoras, doces, de olhar vazio e sorriso triste, encobrem suas dores, mágoas e anseios, atrás das maquiagens chamativas e roupas apelativas. São as vítimas da prostituição de uma sociedade de descaso, falta de escrúpulos e egoísta.
Seja nos bares da Praia de Iracema ou nos pontos da orla marítima, quem ganha com tudo isso?
Fortaleza, hoje, vive o terrível drama do turismo internacional do sexo. O turista estrangeiro, ao chegar na capital cearense, depara-se com um farto leque de opções de mulheres, localizadas em locais estratégicos da cidade, para servir-lhe de ponto turístico em sua estadia sexual de férias.
Em entrevista a uma garota de programa de 20 anos, grávida de 04 meses, que não quis ser identificada, perguntamos inicialmente se ela sabia quem era o pai do filho que esperava. Ela respondeu: “Sim, é um gringo italiano, mas agora ele sumiu. Não consegui mais encontrá-lo e ele não sabe que estou grávida. Tentei tirar meu filho, mas ele não saiu”.
Questionando-a sobre sua rotina de trabalho, a jovem informou que todos os dias dirige-se ao ponto fixo situado em uma esquina da Praia de Iracema, onde permanece até às 6 horas da manhã, quando se recolhe para a casa do cafetão responsável pelo comando do “ponto”, onde dorme até o horário do almoço. Disse, ainda, que no período da tarde vai à casa da mãe, onde ajuda nos trabalhos domésticos, entregando-lhe metade do dinheiro que recebe.
Sobre o funcionamento dos “pontos” de prostituição, disse que todos aqueles situados na região têm cafetão, os quais são responsáveis pela garantia da segurança das meninas, anotando a placa do veículo do cliente. Em contrapartida, eles recebem em média 40% do valor faturado pelos programas. Disse, ainda, que normalmente as meninas não conhecem os cafetões dos outros pontos e que são muito ameaçadas por eles, caso resolvam ir até a delegacia. Não quis, por esse motivo, informar quem era o cafetão do seu ponto, pois estava com muito medo e olhava o tempo inteiro para os lados.
Ao indagarmos sobre os clientes que recebem, informou que muitos deles são gringos, assim como o pai do filho que ela espera, e que, segundo esse, muitos de seus amigos já vieram várias vezes a Fortaleza, atraídos exclusivamente pelo comércio sexual das belas meninas nativas.
Perguntamos se as autoridades frequentemente passam pelo local. Ela respondeu que somente o juizado de menores e, há aproximadamente 03 meses, uma delegada da polícia civil esteve fiscalizando a possível presença de menores, ocasião em que aconselhou-as a saírem dessa vida.
Informou-nos, ainda, que algumas vezes migra para as boates circunvizinhas, quando o movimento em seu ponto é pequeno, à procura dos gringos que ali se concentram em grande quantidade.
Ao circularmos pelo local mencionado na entrevista, uma região de antigo ponto de encontro dos jovens de Fortaleza, reunidos com seus violões, onde existiam bares com música popular brasileira e casa de boliche, constatamos, irresignadamente, a transformação ocorrida: um complexo de bares, abrangendo uma legião de turistas estrangeiros, assistindo, na passarela da rua, aos desfiles de meninas seminuas, aglomeradas, dançando apelativamente, onde ofereciam seus serviços explicitamente. Nesse chocante cenário, encontramos, ainda, algumas meninas caracterizadas, abordando gringos para convidá-los a entrar nas boates.
Perguntamos a uma dessas meninas se ela fazia programa. Ela disse ser apenas funcionária do estabelecimento, mas que se resolvesse entrar na boate, ela apresentaria belíssimas mulheres que atenderiam a esse propósito. Indagamos, ainda, sobre as condições de entrada dessa boate e obtivemos a seguinte resposta: “A entrada é grátis; apenas se cobra a consumação. No entanto, para mulheres desacompanhadas a bebida é liberada”.
Ao verificarmos a existência de viaturas da Ronda do Quarteirão, Policia Militar e Guarda Municipal que transitavam pelo local, questionamos sobre o posicionamento deles frente à realidade explícita daquelas boates. Todos responderam que nunca receberam denúncia ou qualquer tipo de ordem repressiva de autoridade superior. Que apenas atuam de forma preventiva em casos de flagrante presença de menores, violência ou consumo de drogas.
Perguntamos, ainda, para um agente da Guarda Municipal, se a Polícia Civil costuma transitar pela localidade. Fomos informados que durante 01 ano de trabalho na região, nunca foi constatada a presença de viatura da Polícia Civil. Já o agente da Ronda do Quarteirão, quando indagado a respeito da notoriedade do aliciamento da prostituição no local, disse infelizmente concordar com a existência desse panorama, mas que não lhe cabe nenhuma competência nesse sentido. “Nossa função é preventiva e o Direito funciona com provas concretas. As pessoas podem alegas que entram nas boates apenas para o divertimento e as meninas que convidam os clientes para entrarem na boate, iriam alegas apenas trabalharem como funcionárias de marketing da empresa”, disse ele. Disse, ainda, que não teria competência para tanto, caso contrário, estaria usando da arbitrariedade e que essa atividade fiscalizatória e repressiva caberia ao Ministério Público e a Polícia Civil.
Em uma esquina das ruas da Beira-Mar, encontramos duas meninas menores de idade, ambas de 17 anos. Conversando com uma delas, perguntamos o que levava uma adolescente com todo um futuro pela frente submeter-se a essa situação, informando-lhe que não poderíamos ser coniventes com essa situação e que a polícia deveria ser informada para tomar as providências cabíveis. A moça de rosto infantil, olhar assustado e piedoso suplicou: “Por favor, não façam isso! Estou aqui porque não existe trabalho para menor de idade. Meus pais já me colocaram no Conselho Tutelar e eu tenho um filho para sustentar”. Restou-nos o silêncio indignado perante tal cenário. Quem ampara essas jovens e adolescentes à margem da proteção social?
Que sociedade é essa que deixa sua terra transformar-se em um cenário sexual de exploradores estrangeiros, para usarem e abusarem de suas mulheres, à medida que usufruem de suas estadias sexuais?
Quais valores têm esse homens que cruzam o oceano para explorar as mulheres nativas da terra visitada?
O que encobrem os proprietários desses bares que oferecem entrada gratuita e bebida liberada para mulheres desacompanhadas, enquanto contratam “funcionárias” para instigar os gringos a entrarem nas boates?
Em que se transformou essa sociedade? Em troca de luxúria e poder, a dignidade, a base familiar e os sonhos de tantas meninas são dilacerados e flagelados por uma sociedade medíocre, elitista e egoísta.
Todos olham e não vêem. A família, a sociedade, o Estado: ninguém se importa. Enquanto isso, na bela capital cearense...vai tudo muito bem, obrigado!