sábado, 13 de dezembro de 2008

AI-5: ministro do STF lembra "visitas" do Dops

Ele se recorda daquela sexta-feira 13 como "um período nebuloso de declínio das liberdades públicas" e de "despudor de agentes políticos". O então estudante universitário José Celso de Mello Filho tinha 23 anos quando viu pela primeira vez o quarto da pensão onde morava ser revirado e os colegas da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) terem de fugir do País.

Ministro mais antigo da atual composição do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello resume assim suas impressões ao AI-5, assinado no dia 13 de dezembro e que completa 40 anos neste sábado: "O despudor dos agentes políticos, estimulado pelo clima de violência e arbítrio, não escolhia espaços para a sua intrusão criminosa. A prática da violência arbitrária era comum e estimulada pelo regime. Você sentia problemas. Era um clima tão opressivo que não se podia ouvir certas músicas. O Hino da Internacional Comunista, por exemplo, ouço porque gosto de ouvir, é uma música bonita, mas poderia acontecer alguma coisa comigo".

"Meus colegas de faculdades precisaram sair do país e tiveram que se exilar porque eram perseguidos. Uma colega ficou nove anos na França. O presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Aluisio Nunes Ferreira, saiu do País. Um amigo meu morreu torturado. Outros amigos, professores primários, foram alvo da Operação Bandeirantes (organização paramilitar que combatia a luta armada) e ficaram três dias presos. Nunca fui preso, mas tenho uma experiência pessoal com amigos que sofreram abusos", recorda o ministro.

"Esse episódio que eu experimentei é, na verdade, um dos aspectos resultantes dessa verdadeira patologia que representou no sistema constitucional brasileiro o AI-5", diz Mello, que sugere que o "aniversário" do mais duro decreto do governo militar seja necessariamente lembrado todos os anos do mesmo modo que os judeus se reúnem para rememorar o assassinato de pelo menos seis milhões de compatriotas ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. "Assim como o povo judeu anualmente rememora o Holocausto para que ninguém se esqueça dele jamais, proponho que ano a ano rememoremos, não para celebrar, mas para evitar no futuro que ações tão lesivas e ofensivas à consciência democrática se repitam. O AI-5 é importante relembrá-lo, sim, para que jamais nesse país as instituições democráticas sejam jamais golpeadas", comenta.

Convívio com o Dops
O jovem estudante que saiu de Tatuí, interior paulista, para cursar faculdade na capital perdeu as contas de quantas vezes, durante a madrugada, teve de levantar de sua cama ou interromper os estudos para que os militares do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) pudessem vasculhar a pensão em que vivia em busca de conspiradores e suspeitos de perturbação da ordem social.

"Morei em uma pensão na travessa brigadeiro Luiz Antônio na mesma pensão que morava o ministro José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil). A casa era costumeiramente visitada pelo Dops, à noite inclusive. Estava em vigor uma Carta (Constituição) autoritária. Havia um desrespeito total e absoluto dos direitos e garantias individuais. Meia noite, uma hora da manhã todo mundo tinha que se levantar. Tínhamos que interromper estudo e ficávamos expostos ao abuso, ao arbítrio, a práticas estimuladas do regime militar", relembra Celso.

"Não hesitaria em dizer que o AI-5 é o codinome da violência instituída por um sistema de poder construído à margem da Constituição Federal e completamente divorciado do consentimento dos governários. O AI-5 concedeu ao presidente poderes extraordinários, que permitiam colocar-se acima da Constituição e das leis da República, o que se mostrava absolutamente incompatível com um modelo democrático que nos governa", pondera o decano do STF.

Nenhum comentário: