quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

HOMOFOBIA E PASTOR MALAFAIA (solicito comentário do Professor Rodrigo Uchôa)

O Jonny passou uma notícia para eu comentar, mas ele só podia estar querendo me tirar do sério. A notícia em questão foi publicada no Mix Brasil no ultimo domingo e fala sobre um programa religioso veiculado pela Band. No programa o pastor Silas Malafaia (igreja assembléia de Deus) falou (um monte de porcarias) sobre os homosexuais. Não precisa me conhecer a muito tempo para saber que eu odeio todo tipo de discriminação (por etnia, sexo, orientação sexual, etc) por isso eu digo que o Jonny estava querendo me tirar do sério.

O tal pastor devia estar indignado com qualquer possibilidade de legalização da união homoafetiva, pelo menos pelos trechos que foram citados pelo Mix Brasil. Ele fez algumas comparações de mal gosto entre homosexuais e bandidos, homosexuais e prostitutas e homosexuais e viciados em cocaina.

Eu não vou ficar replicando todas as afirmações de mal gosto do individuo, nem vou perder meu tempo criticando as comparações idiotas, mas vou tentar explicar os fundamentamentos jurídicos pelos quais EU considero absolutamente inaceitavel que o casamento entre homosexuais não seja permitido e que não exista uma legislação federal específica de combate à homofobia.

A nossa Constituição Federal de 1988, intitulada “A Constituição Cidadã” logo em seu preambulo já diz:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Mais à frente, nossa Carta Magna fala novamente desses ideais:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)

Ora, vamos começar com o problema de, segundo o Mix Brasil, o pastor ter terminado o seu discurso afirmando seu direito de expressar sua homofobia. A lei não garante a ninguém o direito de expressar homofobia (ou qualquer outro tipo de discriminação), ela protege sim o direito de expressão, mas veda o anonimato conforme os seguintes incisos do art. 5º:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Portanto, você pode sim, dizer o que quiser, mas responderá civil e criminalmente caso a sua manifestação venha a ferir algum outro direito.

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Mas já que eu estou tratando do assunto vou explicar a falta de legislação específica e outras coisas referentes à legislação. Nossa constituição não enumera a questão da orientação sexual de maneira específica em nenhum dos dispositivos que eu mencionei, mas ela sem dúvida nenhuma inclui a questão quando diz “quaisquer outras formas de discriminação” e “sem distinção de QUALQUER natureza”. Ainda assim, da mesma forma que o constituinte não falou de maneira específica da homosexualidade, a legislação infraconstitucional manteve o mesmo padrão.

Ainda assim, logo que nós entramos na faculdade de direito, aprendemos que o que tem que diferir os advogados dos leigos em direito não é a capacidade de ler, um monte de gente sabe fazer isso, sem precisar de faculdade de direito, qualquer pessoa pode ler um artigo do código, mas isso não é o bastante, os artigos precisam ser interpretados de acordo com o ordenamento jurídico como um todo. Aprendemos então que existe uma porção de espécies de interpretação da lei.

O casamento tem o regime jurídico definido no Código Civil, dos arts. 1511 a 1590. O código não fala nada sobre o casamento homosexual, ele diz que “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. ” e não mencionada nada sobre comunhão plena de vida entre um homem e uma mulher e, se o fizesse, estaria em desacordo com a CF/88 nos preceitos citados. Ainda assim, no art. 1.521 nos impedimentos do casamento, o código enumera uma série de situações que impedem o cônjuge de se casar, como o fato de serem irmãos, adotante e adotado, ascendentes e descendentes, etc. mas em nenhum desses impedimentos o código menciona pessoas do mesmo sexo.

Ora, se a constituição determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, que as pessoas são iguais e livres, não podendo haver qualquer discriminação; e se o código civil ao estabelecer o casamento também não colocou a homosexualidade como impedimento ao casamento para mim o casamento poderia se aplicar aos homosexuais sem necessidade de legislação especial. Ainda assim, como o entendimento geral é de que o casamento só pode se dar entre um homem e uma mulher, o nosso legislativo ja devia, há muito tempo, ter aprovado uma lei para esclarecer essa questão e garantir que os homosexuais possam ter efetivamente o seu direito de igualdade constitucionalmente garantido.

Quanto à questão da discriminação, parece que alguns estados possuem leis especificas para coibir as praticas discriminatórias contra homosexuais, mas, de qualquer maneira, eu entendo que os dispositivos da lei 7.716/89 sobre crimes resultantes de discriminação e preconceito se aplicam perfeitamente por interpretação extensiva às discriminações em virtude da orientação sexual. Essa lei, em seu paragrafo único cita como situações às quais se aplica, os casos de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; embora a lei não cite os preconceitos de orientação sexual, ela enumera os mesmos casos enumerados no inciso IV do art. 3º da CF/88, portanto eu entendo que a leitura combinada desse art. com o caput do art. 5º permite sim essa interpretação.

Nesse sentido, entendo que todas as condutas discriminatórias descritas na lei devem aplicar-se também nos casos de homofobia, incluindo o disposto no art. 20 e §2º da lei em questão:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Para a sorte do pastor Silas Malafaia os atuais representantes do MP e do Judiciário não compartilham (pelo menos a maioria) da minha opinião. Mas um dia as pessoas ja discriminaram os negros sem nenhuma punição e nenhum tipo de impedimento, quem sabenum futuro próximo o Estado e o povo não abram os olhos e percebam a irracionalidade dos seus preconceitos.

Só para lembrar: não é preciso um homosexual para defender os direitos dos homosexuais, mas é preciso seres humanos para defenderes os direitos dos seres humanos

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Professor Rodrigo Uchôa peço um comentário sob o POST publicado.

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