quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A (não) separação dos poderes

Depois de várias discuções sobre os problemas no judiciário no Brasil, eu cheguei à conclusão de que as pessoas tem uma dificuldade muito grande de identificar de maneira clara a separação entre o legislativo e o judiciário. No geral, quando as pessoas acreditam que uma lei é ruim (ou que várias delas são), costumam dizer que o judiciário não funciona, ou que tem esse ou aquele problema.

De fato, os poderes do Estado (executivo, legislativo e judiciário) embora sejam separados se relacionam e se cruzam em muitos aspectos. Isso é reconhecido, no mínimo, nas atividades atípicas de cada um dos poderes (que em determinado aspecto exerce função típica do outro, numa esfera limitada). Mas essa conexão acaba sendo muito forte na relação entre o legislativo e o judiciário.

Os poderes e suas funções:

Ora, o legislativo tem como função típica legislar, isto é, criar leis que serão aplicadas na sociedade; já o judiciário tem como função típica exercer a jurisdição, isto é, aplicar o direito (as leis) ao caso concreto. Daí que, embora independente, o judiciário é vinculado, não ao judiciário, mas às leis criadas por ele.

Disso resulta uma impressão nas pessoas: aquela de que quando o judiciário, ao aplicar uma lei, não parece “justo”, a injustiça da decisão parece estar mais na ação do judiciário do que do legislativo, ainda que tudo que o judiciário tenha feito seja aplicar uma lei já existente a um caso concreto que nela se enquadrava.

Entendam que eu não estou evidenciando essa questão no sentido de isentar o judiciário de qualquer problema, pelo contrário, acredito que o judiciário tenha seus próprios problemas, só não acredito que um deles seja a injustiça das leis. Alias, o que se vê, em alguns casos, é judiciário apoiando suas decisões em princípios e em direitos fundamentais, para justamente contornar leis injustas.

Conhecer as leis, Interpretar as leis, aplicar as leis:

Se vocês observarem nas categorias dos posts desse blog, vão ver que apesar de ele ser voltado ao mundo jurídico há diversos artigos que escrevi sobre o legislativo. Talvez isso leve à falsa impressão de que os estudantes de direito estudam as leis mas isso é realmente um engano.

Os cinco anos de faculdade de direito, destinados a formar profissionais que vão atuar, de alguma maneira, na distribuição da justiça, não são gastos aprendendo leis. O que realmente se aprende na faculdade de direito é a interpretar as leis, é como aplicá-las ao caso concreto, como observá-las no ambito de um ordenamento jurídico que não tem apenas textos isolados, mas uma corrente.

De quem é a culpa?

Então, não culpem o judiciário pela existência de um milhão de leis que burocratizam as nossas vidas; não culpem o judiciário pela existência de leis idiotas que não fazem sentido, ou que são ignoradas pela sociedade; culpem-no sim, quando diante de um ordenamento jurídico que lhe permite entregar a justiça, ele decide contrário a ela; quando diante de um caso novo, ele decide com intolerância; quando ele deixa de lado direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

Eu me preocupo com o legislativo sim, porque quando trabalhar no judiciário quero ter recursos para lutar por decisões que não apenas cumpram a lei, mas que entreguem justiça sem a necessidade de malabarismos jurídicos. Mas acho importante sabermos separar a atuação de cada um desses poderes, porque para corrigirmos os problemas de cada um deles é preciso entender de maneira clara as suas funções, suas limitações e seu alcance.

Embora o judiciário carregue as honras de ser chamado de “Justiça” a verdadeira Justiça não depende apenas dele, é preciso que o Estado, em sua administração, legislação e jurisdição tenha o compromisso de entregar a seus cidadãos não apenas decisões justas, mas uma nação na qual se possa viver com Justiça.

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